Quando, em 1972, as Três Marias publicam Novas Cartas Portuguesas, este acontecimento provoca uma verdadeira “onda de choque” (Lamas), devido ao tema que as atravessa, ou seja a “vida íntima (sexual) das mulheres” (ibidem). Isto foi razão suficiente para que as autoras fossem imediatamente censuradas pelo regime Salazarista e acusadas de “pornografia e ofensa à moral pública”. Assim, alguns anos mais tarde, Maria de L. Pintassilgo afirma que existe “um excesso que não enquadra na normalidade [que] reside no facto de que as fronteiras entre o erotismo e a pornografia são ultrapassadas”, ao que acrescenta que há “uma reivindicação obsessiva do corpo como primeiro campo de batalha onde a revolta se manifesta”. Propomo-nos desenvolver estas afirmações e explorar a vertente transgressiva do texto, atentando para o tratamento transgressivo e queer dado ao corpo da mulher. Assim, um dos primeiros aspectos transgressivos da obra consiste numa ruptura com as “convenções de representação dominantes” em matéria de erotismo ou de pornografia, isto é a passagem do “ob/scene” (obsceno) ao “on/scene” da sexualidade feminina e que podemos qualificar de “prática da desordem”. A outra transgressão será a descrição repetida e concreta do corpo feminino, em particular, de partes mais íntimas da anatomia feminina: o seu sexo – um novo território a ser visto e explorado pela mulher.